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"Cotas para mulheres nos partidos funcionam muito mal no Brasil", diz Malu Gatto

Malu Gatto traça um panorama do tema no Brasil e explica por que a política de cotas para mulheres dentro dos partidos não tem dado certo até agora

Publicada em 07/08/24 às 07:49h - 92 visualizações

Fonte: trbn.com.br


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 (Foto: Foto: Divulgação)
Por Henrique Brinco

Em um ano de eleições municipais, a FGV Editora traz ao público um estudo detalhado sobre as dificuldades e conquistas de mulheres que decidiram ingressar na política brasileira. O livro "Candidatas – Os primeiros passos das mulheres na política do Brasil", escrito por Malu Gatto e Débora Thomé, será lançado em Salvador hoje, às 18h, na Livraria do Glauber. O Brasil, atualmente, figura como um dos países com menor representação feminina na política global, ocupando a última posição na América Latina. Em um ambiente predominantemente masculino, as mulheres enfrentam desafios significativos ao tentar se eleger. Apenas 17,7% dos assentos na Câmara dos Deputados são ocupados por mulheres, enquanto os homens dominam com 82,3% das cadeiras. Essa desproporção reflete a necessidade urgente de mais vozes femininas na política, capazes de influenciar diretamente em agendas que afetam todas as brasileiras. Em entrevista à Tribuna, Malu traça um panorama do tema no Brasil e explica por que a política de cotas para mulheres dentro dos partidos não tem dado certo até agora.

Tribuna - O que a motivou a explorar o tema das mulheres na política brasileira e a escrever o livro "Candidatas: os primeiros passos das mulheres na política do Brasil"?

Malu Gatto - Sou soteropolitana, mas já estou fora do país há bastante tempo. Eu fiz meu mestrado e meu doutorado na universidade de Oxford, no Reino Unido, em ciência política. Desde então, eu venho atuando como pesquisadora fora do país. Eu fiz é um pós-doutorado na Suíça, na Universidade de Zurique, e desde janeiro de 2019 eu sou professora e pesquisadora da University College London. Atualmente é uma das é uma das universidades que está no top 10 no ranking mundial, uma universidade muito bem-conceituada. É, e eu sou pesquisadora da área de gênero e política, principalmente, então é isso tudo a representação das mulheres na política já há bastante tempo.

Tribuna - Na Bahia, as mulheres ocupam 609 cadeiras entre 4.615 vereadores eleitos nos 417 municípios. O Brasil é um dos países com menor representação feminina na política. Quais fatores você acredita serem os principais responsáveis por essa sub-representação?

Malu Gatto -   O que a gente nota, na verdade, é que a sub-representação das mulheres na política tem menos a ver com os eleitores e mais a ver com as instâncias partidárias. Ou seja, o maior gargalo para as mulheres na política é a falta de apoio e incentivo dos partidos políticos. Os estudos demonstram que os eleitores querem votar em mais mulheres. Isso aí passa também por algo que a gente chama de machismo benevolente. O que isso significa? O eleitor vê a mulher como mais honesta, como menos corrupta. Então a mulher como tendo características que são positivas para a política. Então o eleitor até quer mais mulheres. Só que o partido, um, não recruta as mulheres, e dois, não investe nas candidaturas de mulheres. Então os eleitores que querem votar para candidatos, que vão vencer, que têm chances de vencer, acabam também não colocando os votos em mulheres, não porque eles não necessariamente percebam mulheres como potenciais, boas lideranças, mas porque eles não enxergam as mulheres como necessariamente pessoas que poderiam vencer e entregar uma vez ali dentro. Então, o maior gargalo está mesmo nas instâncias partidárias. Os partidos precisam nomear mais mulheres investidas nas candidaturas, as tornando mais visíveis para o eleitorado e as colocando em um em situação de igualdade na competição eleitoral. Eu acho que tem um percentual que os partidos precisam ter de qualidade de cota.

Tribuna -  As cotas, na sua opinião, o que precisaria mudar?

Malu Gatto -  Pois é, as cotas para mulheres nos partidos funcionam muito mal no Brasil. Por que as cotas no Brasil não funcionam bem? Um, porque até muito recentemente, os partidos burlavam a cota até 2010, que foi quando houve uma minirreforma eleitoral que mudou a linguagem da lei de cotas. Anteriormente, a lei de cotas falava que os partidos precisavam reservar 30% das candidaturas das mulheres. O que os partidos faziam? Eles deixavam vaga e não colocavam ninguém lá. E aí, a partir de 2010, a lei mudou e começou a dizer que os partidos precisavam preencher 30% das vagas. E aí, quando os partidos não fizeram isso, o TSE começou a ir em cima e começou a punir os partidos que não faziam isso. Então agora a gente tem visto mais isso do TSE e dos TREs, unindo as chapas que não vão de acordo com o percentual de 30%. Mas para além disso, qual que é o problema? Aqui no Brasil, a gente tem um sistema eleitoral para os âmbitos para os quais as cotas se aplicam, que são as câmaras de vereadores, as assembleias legislativas estaduais e a câmara de deputados, que é um sistema proporcional de lista aberta. O que isso significa? Que os eleitores votam para uma pessoa e essas pessoas competem umas com as outras, não só um candidato está competindo com uma pessoa do outro partido, mas também do seu próprio partido, né? Pra subir no ranking do partido e, sei lá, se o partido for levar quatro assentos juntando todos os votos de todos os candidatos aqui do partido, os mais votados é que levariam as cadeiras. Então, as mulheres também têm que competir ali pra serem bem votadas e pra estarem ali entre os mais votados. O problema é que, para ser uma das pessoas mais votadas, você precisa de recursos, tanto financeiros, para você fazer uma campanha muito visível para os eleitores, quanto de recursos de ajuda partidária. 

Tribuna - Agora, a gente teve um caso que chamou muita atenção no Brasil há alguns anos, de Marielle Franco, que foi um divisor de águas. Eu queria saber como você viu isso, foi uma violência de gênero na sua opinião? O que a gente tem de evolução desde esse caso? Acho que é um recorte dentro do recorte: tem a questão da mulher e também da mulher negra, né?

Malu Gatto -  Sim. O caso de Marielle foi um caso, enfim, que você colocou aí, um divisor de águas muito fortes, que impactou de forma muito direta a representação política das mulheres. De duas formas: uma, a gente viu como que isso daí também fez com que mulheres, inclusive, que trabalhavam diretamente com Marielle, quisessem levar adiante o legado de Marielle. Então, se colocando como candidatas e se elegendo, a gente viu isso. Mas o caso de Marielle também trouxe à tona a questão da violência política, como algo que acontece e é algo que faz parte da vida política. Então agora, muitas mulheres que a gente entrevista apresentam a violência política como algo, como potencial obstáculo para elas também entrarem para a política. Então algumas das mulheres que a gente entrevistou não só falam como elas têm medo de sofrerem violência política e também relatam casos de violência política de diferentes níveis, mas também falam como suas famílias ficam preocupadas com elas sofrerem violência política. Então, assim, uma coisa a se falar é que das mulheres que a gente entrevistou, a gente vê que mais mulheres negras e mais mulheres trans falam sobre terem sofrido violência política durante as suas campanhas, então aqui o recorte de gênero, de raça, se veem muito presentes.

Tribuna - Quais estratégias têm se mostrado mais eficazes para as mulheres se elegerem e se manterem na política?

Malu Gatto - Essa é uma excelente pergunta. Como é que os outros países da América Latina conseguiram fazer isso? Eles adotaram uma combinação de dois fatores. Uma combinação de cotas muito fortes, sem brechas. Então, os partidos não conseguem ter brechas. E por que eu falo isso? Porque, na verdade, as cotas de gênero foram evoluindo com o tempo. Os partidos, primeiro, desrespeitaram as cotas várias vezes. No México, não tinha cota pra suplente. Aí, o que é que acontecia? Os partidos nomeavam as mulheres como as primeiras candidatas e aí tinha um suplente. Aí, uma vez as mulheres eleitas, eles diziam, agora você sai e os homens entram. Foi um caso muito conhecido, que elas ficaram conhecidas como as juanitas. Na Costa Rica, eles têm um sistema de listas fechadas. Então, os partidos respeitavam as cotas, mas botavam todas as mulheres nas últimas posições da lista e as mulheres nunca eram eleitas. Qual é o problema do Brasil? O problema do Brasil é a combinação de uma cota que ainda não é forte o suficiente com o sistema eleitoral que acaba não permitindo ter certas normas, como na Costa Rica, que agora, com a lista fechada, eles têm que fazer um zíper - um homem e uma mulher, um homem e uma mulher, um homem e uma mulher na lista. Então, se o partido elegeu quatro lugares, dois vão ser de homens e dois vão ser de mulheres, os assentos. Mas uma proposta que vem sendo debatida já há bastante tempo no Brasil, mas que vem sendo, de novo, rejeitada no Congresso Nacional, pensando novamente nessa ideia de que são os próprios legisladores que legislam leis que vão se aplicar a eles nas próximas eleições, é a reserva de assentos.

Tribuna - A ministra Cármen Lúcia, em uma entrevista recente, declarou que só conseguiu chegar ao topo do Judiciário por não ter filhos. A mulher também é colocada nesse papel de ter a responsabilidade sobre a família. Como superar essa questão na política?

Malu Gatto - Então, assim, até recentemente não existiam também regras no legislativo para essa questão de 'como que faz quando a mulher tira a licença de maternidade'? Então, assim, a gente vê, na verdade, que os ambientes, eles não foram desenhados, as instituições não foram desenhadas para pessoas que são responsáveis pelo cuidado. Tem uma dificuldade grande com relação à parentalidade, mas principalmente à maternidade num contexto no qual a mulher ainda é mais responsável ou responsabilizada pelos cuidados domésticos e cuidados por filhos, que é a questão também da distância. Então assim, a vida, por exemplo, em Brasília, as pessoas precisam se deslocar pra lá, muitas vezes elas ficam sem apoio, então tem inclusive um dos relatos do livro, que é inclusive uma mulher de direita, que ela fala 'eu tive meu bebê e eu precisava ter três babás'. Por quê? Porque a gente às vezes volta de madrugada. Então, você precisa estar lá, enfim, o tempo todo disponível. Então, é uma situação que de fato coloca as mulheres também em uma situação muito, muito complicada. Quando eu estava fazendo graduação, como eu mencionei, eu estudei essa questão do uso do tempo. Eu entrevistei tanto os parlamentares homens quanto mulheres com relação ao uso do tempo. E os homens sempre falavam que eles não tinham visto seus filhos crescerem, que eles, enfim... Que eles tinham muito essa questão, que eles sentiam falta de terem participado mais ativamente da vida dos filhos e dos netos, mas eles não se colocavam nesse lugar de culpa. E muitas das mulheres na política que eu entrevistei, dos parlamentares, elas diziam, é, eu tento dar conta e às vezes eu não consigo, e eu sinto a culpa de estar aqui.



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