Com idade de início variável, a perda de massa muscular é um processo natural do corpo humano, mas nem por isso isento de impactos negativos. Chamada de sarcopenia, essa redução tem chamado atenção especial nos últimos anos, quando o distanciamento social imposto pela pandemia de Covid-19 acelerou a redução da força muscular, especialmente em idosos.
“A gente teve uma piora muito grande de sarcopenia nos idosos, nos últimos anos, por conta da pandemia. Com o isolamento social, a quantidade de idosos que ficou em casa, que por segurança parou de praticar suas atividades físicas, fez com que hoje estejamos sofrendo um problema seríssimo de idosos com dependência funcional”, avalia o geriatra Leonardo Salgado, diretor presidente da Assiste Vida.
Embora o período de distanciamento tenha atingido a todos em algum grau, os idosos somavam uma vulnerabilidade maior à sarcopenia e risco agravado quanto à exposição ao vírus. “Imagina a rotina de um idoso que saía do seu apartamento, ia na padaria, andava, fazia uma atividade física, tinha a sua academia ou sua aula de pilates, e de repente ficou restrito ao domicílio. Ele perdeu massa muscular muito rápido e a gente hoje está tendo percebendo isso no dia a dia”, reforça o médico.
Salgado esclarece que a sarcopenia ocorre pelo envelhecimento das células musculares e pela falta de estímulo. “No ciclo do envelhecimento, a gente passa por uma fase que nosso organismo está se desenvolvendo. À medida que a gente passa da infância e adolescência para a vida adulta, a gente se mantém platô, na função de todos os órgãos, inclusive para os músculos, e a partir de uma determinada idade começa a fase de declínio”, detalha.
O preocupante da sarcopenia é seu avanço até o comprometimento funcional, gerando dependência, necessidade de auxílio para fazer até mesmo atividades cotidianas, e a perda de massa muscular, geralmente, passa a ocorrer de forma mais acelerada a partir dos 50 anos. No entanto, quanto mais atividade física de resistência a pessoa faz, maior seu nível de força muscular, ressalta o geriatra, então idade é apenas um dos fatores.
De acordo com o Censo de 2022, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), quase 14% da população do país tem mais de 50 anos e 37.814 brasileiros são centenários. Atualmente, a expectativa de vida geral no Brasil é de 77 anos, com mulheres vivendo 80,5 anos em média, enquanto os homens registram 73,6 anos.
Vencer resistência
Em termos de exercícios direcionados à manutenção ou aumento de massa muscular, a expressão atividade de resistência é referente às atividades físicas nas quais é necessário vencer uma resistência. Essa resistência a ser vencida pode ser provocada por pesos externos, por molas e até pelo peso do próprio corpo. Então, a musculação praticada nas academias não é o único modo de estimular os músculos, outros exemplos são o pilates e a calistenia.
“Quanto mais eu utilizo as células musculares mais elas preservam a função. Se você tem um paciente, que faz uma atividade física de resistência regularmente, que se mantém ativo, ele retarda esse problema, mas, em teoria, se todos nós vivermos cento e poucos anos, todos nós teremos sarcopenia”, completa. Dessa forma, uma pessoa de 85 anos que sempre trabalhou sua musculatura pode ter mais força muscular do que algum sedentário habitual 20 anos mais jovem.
Embora o ideal seja exercitar a musculatura em todas as fases da vida, o geriatra alerta que nunca é tarde demais. “A qualquer momento você pode começar, claro que adequando a resistência, os pesos e adequando a atividade à condição daquele paciente, mas sempre que eu começo a fazer, eu vou ter um ganho”, reforça.
Nunca é tarde
Instrutora de pilates e fisioterapeuta, Mary Paz destaca que até mesmo idosos com sarcopenia avançada e acamados podem realizar alguns exercícios. “Sempre é possível encontrar atividades que se enquadrem na condição da pessoa, desde que ela encontre um profissional da área do movimento que esteja qualificado para atender a essa demanda. Através de exercícios direcionados é possível ganhar mais mobilidade e mais massa muscular”, argumenta.
No entanto, apenas uma parte da população tem acesso a treinos elaborados de forma totalmente individualizada e executados com acompanhamento. “Hoje a gente encontra bons profissionais com alguns aplicativos e algumas orientações…já dá para sair do sedentarismo”, comenta Mary. Além disso, movimentos cotidianos podem ser utilizados para ativação muscular.
“Pega uma cadeira, com auxílio de outra pessoa, senta e levanta, tem algumas coisas que pode fazer em casa. O mais importante de tudo é se movimentar, mesmo em casa, fazendo atividades domésticas. Em se tratando do idoso é muito importante que você não limite totalmente, porque ele vai perdendo massa, vai perdendo equilíbrio, mas se não se movimentar só vai agravar”, alerta Mary.
Capacidades funcionais são reduzidas
Especialista em fisiologia do exercício e treinamento desportivo, o profissional de educação física Marcelo Affonso de Carvalho considera que a visão geral da sociedade sobre a prática de exercícios passou muito tempo focada, quase que exclusivamente, nos aspectos estéticos. Em sua avaliação, o cinema e diversos tipos de mídia contribuíram para esse viés, que deixa de lado os grandes benefícios para a saúde e a funcionalidade do corpo humano.
Segundo Marcelo Affonso, a partir dos 35 anos a tendência é de perda de 0,25% a 0,5% de massa muscular a cada ano. “Influencia diretamente na sua capacidade funcional. Fundamentalmente nas capacidades funcionais que estão relacionadas ao equilíbrio, ao deslocamento, à locomoção, à prevenção de queda…”, reforça. Subir escadas e ladeiras, descer de um ônibus e carregar uma mala são algumas habilidades cotidianas impactadas pela sarcopenia, exemplifica.
Embora perceba um avanço na compreensão da sociedade quanto à prática de exercícios físicos - refletido no espalhamento das academias, no uso de equipamentos das praças, no fluxo das ciclovias -, o especialista destaca a importância desse novo olhar chegar às escolas e às políticas públicas relacionadas a esportes e saúde.
“Apesar da gente ter passado por um Pan-Americano, uma Olimpíada e uma Copa Mundo relativamente recentes, o povo brasileiro ainda não tem cultura esportiva como tem o europeu, como tem o povo americano, que dentro da educação física escolar você realmente é educado esportivamente”, avalia. Entregar uma bola para estudantes jogarem baleado ou baterem um “baba” não é educação física escolar, completa Marcelo Affonso.
Cultura do esporte
Para o educador físico é preciso criar a cultura do esporte, o que resultaria em gerações futuras mais atentas à importância da prática de exercícios físicos para uma vida saudável, na velhice ou em qualquer idade. “Tem muito a ser feito enquanto educação através do esporte, do exercício. E começa na base, né? Começa na criança e segue a vida adulta”, conclui.