A minha mais remota lembrança de um Campeonato Mundial de Futebol é o do ano de 1954. Bem garoto, ainda morando em Santo Amaro, notava a movimentação dos meus irmãos (mais velhos) e pessoas que gostavam de futebol.
Não tinha nenhuma noção do que se travava uma Copa do Mundo. Mas já tinha conhecimento de que era um grande evento, pois muitas pessoas estavam com os ouvidos colados nos rádios.
Naquela tarde do dia 27 de junho, me limitei a ficar passando perto do grupo que ouvia o jogo e participando de brincadeira de meninos da minha idade, como o meu inesquecível compadre e amigo Amauri dos Santos (o MAMAU) e outros.
O fato é que mais tarde torneio-me um apaixonado pelo futebol e fiquei sabendo que o Brasil tinha passado por um vexame sem precedentes, quatro anos atrás.
Jogando no estádio do Maracanã, naquele fatídico dia 16 de julho de 1950, precisando apenas do empate, a Seleção Brasileira abriu o placar e tomou uma virada de 2 a 1 do Uruguai, com os gols sendo marcados depois dos 30 minutos do segundo tempo.
Sem dúvida, esta tragédia do futebol brasileiro só foi superada pelo massacre de 7 a 1 que o time dirigido por Felipão tomou da Alemanha, na fase de quartas de final da Copa do Mundo de 2014, aqui mesmo no Brasil.
O dia 8 de julho de 2014 também ficará marcado para sempre no história, não só do nosso futebol, mas do futebol mundial. Jamais alguém imaginaria uma goleada tão expressiva entre duas seleções do porte de Brasil e Alemanha.
Mas voltando à Copa do Mundo de 54, disputada na Hungria, quando eu ouvia gritos, corria para perto do rádio e perguntava o que estava acontecendo.
– Nando. O que aconteceu?
– Gol do Brasil!
Nando era Fernando, o meu quarto irmão, um dos mais empolgados naquela tarde em que todo o Brasil tinha apenas o som do rádio, pois a televisão só chegaria na Copa do Mundo do Chile, disputada em 1962.
Mesmo assim, quem gostava de futebol tinha de esperar para o dia seguinte se quisesse assistir o jogo, pois as partidas ainda não eram transmitidas ao vivo. As televisões mostravam o vídeo tape das partidas.
Jogo ao vivo, mesmo, em um Campeonato Mundial só em 1970 no México, quando o Brasil, com um timaço e, com Pelé mostrando todo o seu talento, ganhou todos os jogos e se sagrou tricampeão.
E voltando ao ano de 1954, de repente, eu via a galera junto do rádio demonstrar momento de tristeza. E eu insistia nas perguntas. O meu negócio era só perguntar. Não estava entendendo nada, na realidade.
– E agora Nando, o que houve?
– Gol da Hungria!
Nando era a quem eu mais perguntava. E depois de um jogo tumultuado, a forte Seleção da Hungria terminou vencendo por 4 a 2, acabando com o sonho dos brasileiros de ver o país pela primeira vez campeão do mundo de futebol.
E um fato naquela partida eu nunca esquecí de uma frase repetida por quase todos que estavam ouvindo o jogo pelo rádio:
-“ Esse Mister Ellis é um ladrão”.
Era uma voz uníssona. E eu perguntei:
– Quem é Mister Ellis?
– É esse juiz ladrão que roubou o time do Brasil.
Isso ficou marcado na minha memória e na de muitos brasileiros que, mesmo sem ver o jogo, ouvindo apenas os cronistas esportivos que estavam por lá, entendiam que o juiz inglês prejudicou o time brasileiro que mais uma vez foi eliminado em uma Copa do Mundo.
O juiz do jogo, muito criticado, foi o inglês Arthur Ellis. Mas as reclamações foram dos dois times, não só da Seleção Brasileira. Os hungaros, mesmo ganhando o jogo, também não gostaram da atuação do inglês.
Eu era muito menino para ficar sentido com a derrota da Seleção Brasileira. Mas para os adultos, que esperavam reverter o quadro de quatros anos atrás, foi muito difícil esquecer.
Mas eu lembro que a partir daquela data, e durante muito tempo, todo juiz que apitava um jogo aqui no Brasil e cometia um erro, não era chamado de “ladrão”, como ocorre hoje.
– Esse juiz é um mister Ellis.
O fato é que a Hungria, apontada como a virtual campeã do Mundo, pegou a Alemanha na final e depois de sair ganhando por 2 a 0, acabou perdendo por 4 a 2, num resultado considerado uma grande zebra por toda a crônica que cobria a Copa do Mundo de 1954.
Marão Freitas