Ao menos duas bancas de mestrado de estudantes da Universidade Federal da Bahia (Ufba) tiveram que ser refeitas porque contaram com a participação de Cátia Raulino, a suposta jurista investigada por exercício ilegal da profissão. De acordo com um documento ao qual o CORREIO teve acesso, o Programa de Pós Graduação em Direito (PPGD/Ufba) entendeu que Cátia não tinha requisitos para participar como julgadora dos trabalhos dos alunos.
Por causa disso, o programa decidiu fazer uma re-ratificação — que é ao mesmo tempo uma correção e confirmação — dos trabalhos dos estudantes Pedro César Ivo Trindade Mello e Hiolanda Silva Rêgo. Neste procedimento, Cátia terminou excluída das duas bancas e outro professor foi agregado. Sendo assim, eles não serão prejudicados e continuarão com o diploma de mestres porque foram aprovados por outros professores da própria Ufba.
A universidade confirmou, na noite desta quinta, que só foram identificadas duas bancas com a participação de Cátia Raulino.
O Centro Universitário Ruy Barbosa (UniRuy Wyden), onde Cátia Raulino era professora contratada e chegou até mesmo a ser coordenadora do curso de Direito, foi questionado sobre qual posicionamento pretende tomar com relação aos trabalhos de conclusão de curso (TCCs) e mestrados orientados por ela, no entanto, a questão não foi respondida à reportagem.
Procuradas pelo CORREIO, as ex-alunas da instituição, Solimar Musse e Lorena Falcão, que inclusive denunciaram Cátia por plágio dos seus TCCs, disseram que também não receberam respostas da UniRuy. Além de ser investigada pelo crime de plágio contra as estudantes, a suposta jurista ainda é acusada de mentir sobre as formações listadas em seu currículo Lattes — a principal plataforma de dados curriculares do país, administrada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Em matérias anteriores, o CORREIO mostrou que diversas instituições de ensino superior negaram vínculos ou títulos que Cátia Raulino expõe em seu Lattes. Além da Ufba, entre elas estão a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Faculdade Maurício de Nassau, Unijorge e outras. A OAB-BA afirmou que ela nunca teve a carteira de advocacia emitida. O Cadastro Nacional de Advogados (CNA), da OAB Nacional, não retorna resultados para registros em nome de Cátia Raulino.
Uma das questões que pairam é como ela foi contratada se as formações que diz ter estão sendo negadas por diversas instituições. A UniRuy informou que não comenta informações internas envolvendo a sua comunidade acadêmica e que toda a documentação legalmente exigida é solicitada aos contratados, nos termos da lei trabalhista. Oito perguntas foram enviadas pela reportagem ao centro universitário para entender como se deu o processo de contratação da “professora”. Decidimos publicá-las (veja ao fim da matéria).
Nova denúncia
Advogado e professor do curso de Direito da UniRuy, José Mário Dias Soares (Marinho Soares), também deu entrada numa queixa contra Cátia Raulino na 9ª Delegacia (Boca do Rio), que investiga o caso. De acordo com o professor, ele teria se submetido ao processo seletivo para a coordenação do curso em 2016, no Campus Paralela, mas o cargo acabou sendo ocupado por Cátia.
Para concorrer ao cargo, seriam exigidos pelo menos seis meses de ensino na instituição, mestrado em Direito e autorização do coordenador em exercício. O professor diz que tinha todos os requisitos e os cumpriu, mas sequer recebeu retorno do setor de Recursos Humanos (em Fortaleza/CE) aos e-mails em que solicitava o resultado da seleção. Para Marinho Soares, se Cátia não comprovar as formações descritas no Lattes dela, fica claro que ele foi prejudicado no processo de seleção para o cargo.
Marinho conta ainda que, no semestre seguinte ao que Cátia assumiu a coordenação, ele acabou sendo demitido da instituição, mas conseguiu reverter a situação conversando com o diretor geral da época, Cristiano Aguiar.
Professor titular da Faculdade de Direito da Ufba e também da UniRuy, Iran Furtado relata que foi uma surpresa geral quando tomou conhecimento das denúncias contra a ex-colega.
O QUE DEVE ACONTECER COM QUEM FOI ALUNO DA SUPOSTA JURISTA?
As pessoas que foram orientadas ou tiveram participação de Cátia Raulino em trabalhos acadêmicos não precisam se preocupar. O professor Iran Furtado, da Ufba, explica que o princípio da boa fé deve ser mantido. Embora ela possa ter participado como examinadora, sempre existem outros professores na banca, com títulos e aptidão teórica para avaliar. Além disso, os alunos passaram pelo tradicional processo de pesquisa através de leitura de bibliografia acadêmica para construir o próprio trabalho.
“Diante de tudo isso, as pessoas de boa fé não podem ser prejudicadas porque para elas é um erro completamente perdoável. Elas foram induzidas a um erro grosseiro, que qualquer um de nós, e muito de nós também fomos. Ela foi minha coordenadora e eu jamais diria que ela não tinha condições de ser. Ela se mostrava competente, então essas pessoas foram induzidas a um erro e portanto não podem ser prejudicadas”, explica ele.
Professor de Direito Civil da Universidade de São Paulo (USP), Eduardo Tomasevicius diz que a certificação de um aluno é feita pela universidade, não pelo professor. Na visão dele, os conselhos de cursos de cada instituição de ensino devem avaliar formas de resolver a questão de forma administrativa, podendo adotar medidas como designar um novo orientador/examinador, refazer a banca.
“A questão se o diploma é verdadeiro ou falso, se tinha ou não tinha, é uma questão da professora com as autoridades. Mas, dentro do programa de graduação ou pós-graduação, o que aconteceu pode ser uma irregularidade, ou seja, não é algo que vai resultar na perda do crédito ou no não reconhecimento do trabalho e do título. O título de mestre, doutor ou graduação é um conjunto de atividades. Não justificaria alguém ser prejudicado”, opina.
CONFIRA AS PERGUNTAS ENVIADAS PELO CORREIO À UNIRUY
1. Como Cátia Raulino chegou à UniRuy? Ela foi indicada por alguém ou apresentou currículo na instituição?
2. Quais documentos ela apresentou ao setor de Recursos Humanos na contratação? A universidade tem os documentos apresentados para nos enviar?
3. Por qual motivo ela foi contratada? A presença dela na internet, com mais de 100 mil seguidores, ou seja, por ser figura pública, isso foi determinante?
4. O que a universidade pretende fazer com relação às duas ex-alunas orientadas por Cátia Raulino que a denunciam por plágio? Os TCC's delas serão reavaliados por outros professores caso as formações de Cátia não sejam comprovadas? (Correio*)